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terça-feira, 28 de outubro de 2014

fui lembrada


Dilmais

Foram dias e dias de militância.
Votei em Dilma. Minha história de vida pede.Filha mais velha de mãe solteira, feminista em suas escolhas, longe de toda família, nunca foi fácil. Sempre vi as moedas rolarem em casa pra comprar o básico e manter a escola particular, que sempre estava em débito. No final dos anos escolares, a caçula da casa já estava na escola pública e a rebelde aqui, sempre inadequada, ameaçando largar tudo, antecipou o fim da vida escolar. Minha mãe, saiu correndo pra pagar um supletivo para evitar meu crescente descaso. Fiz, terminei, entrei na faculdade particular. Se foi difícil escola, imagina a faculdade. Não conclui por falta de grana. Prouni não existia, existia FHC e uma situação cada vez mais complicada em casa. Peguei papel higiênico do shopping algumas vezes pra não faltar em casa. Já com dois filhos, me disseram em meu ouvido que eu precisava dar um jeito em mim, que a hora era aquela. E era. Governo Lula, reitoria de Naomar. Entrei no curso mais critico e emancipador, que me formou inclusive, critica ao atual governo. Mas eu vivi os anos 90 psdbista, eu vivi a falta de perspectiva. Ao entrar no Bacharelado Interdisciplinar na UFBA , já perto dos 30 eu mudei pra sempre, minha perspectiva politica, minha perspectiva enquanto mulher, mãe, cidadã. A universidade promoveu em mim um desconstruir imensurável, e o projeto do curso que estava cursando me mostrou um Brasil que eu não tinha acesso. Vi a universidade ficar preta, vi gente dizer que era a primeira geração da família que tinha acesso a universidade, graças as políticas de cotas e que muito antes disso tinha conseguido terminar a escola por conta das politicas do Bolsa Família, ouvi relato de gente com lágrimas nos olhos olhando para os lados e dizendo que nunca tinha pensando ser possível. Eu não posso ignorar isso. Assim como, enquanto militante pelos direitos humanos, não vou deixar de vigiar o governo. Fiz, faço e farei todas as possíveis criticas as limitações do governo Dilma. Mas eu sei que aqui há espaço para o diálogo, eu sei que a luta está num momento crítico e eu não vou ignorar a minha própria história de vida. ‪#‎MudaMaisDIlma‬ , e saiba Dilma Rousseff, estamos de olho em você presidenta! 13! 13!13! 13!



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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

essa é pra vc

quando soube gelei. E com gelo não se brinca. Vc sempre me congela. E eu prefiro fogo. Sou filha de ferreiro.
Então... Um filho.

De todas as identidades essa é a que mais me perturba... não pelo crescimento da distancia que isso significa no meu mundo de fantasias, mas pelo que eu sei que isso significa no mundo de verdade... ta bom, a verdade não existe, é liquida como diria aquele moço.
Talvez eu consiga imaginar um pouquinho suas dificuldades, e como vai lembrar de como vc era. Agora mais que nunca vc vai sentir saudade de vc e vai buscar desesperadamente por um fio seu. Não sei se gostaria de estar mais perto, talvez eu não te tolere mais, talvez vc tenha se tornado algo que seja melhor ficar guardado nas fotos e videos cassetes, mofando. Muito provavelmente em alguns dez minutos de vc , a fantasia ia escorrer pelo ralo e eu ia ficar mais vazia ainda de vc...

Em fim,

de longe, estou aqui a te ver passar escorrendo em suor com som no ouvido, britney spears??  risos nostálgicos e sarcásticos. Seu filho saberá?

- eu que achei que sabia tudo sobre minha mãe, depois que virei mãe não imagino minha filha sabendo das nossas noites de jogatinas. Descobri que os filhos não sabem nada dos pais.

Até que comecemos a nos encontrar nos lugares infantis estarei por aqui, a delirar sua boa paternidade.

Supere-se, vc é bom nisso,

Boa paternidade.





Maternidade no jogo perverso da vida

A maternidade muitas vezes é cruel, perversa e um potente instrumento de perpetuação do sexismo e violência contra a mulher. Isso é um fato. Não vou discutir aqui se é ou não. É. É só traçar o itinerário e os desdobramentos dele.
Na verdade, os implicamentos desse discurso já se dão desde o debate sobre o direito ao aborto. Em uma cultura que sequer consegue admitir a descriminalização do aborto já dá pra imaginar o lugar que a mulher tem em matéria de direito ao próprio corpo.
Mulheres cis (que não são trans*) desde crianças são disciplinadas com a pedagogia da maternidade. Lembro-me da preocupação de uma amiga:
- Carla, deixe sua filha participar desse momento do irmão caçula! Deixe ela dar a mamadeira, estimule que ela lhe ajude no banho, trocar fraldas….Você e ela só ganham com isso, é assim que ela vai aprender a ser mãe.
- QUEM DISSE QUE ELA VAI QUERER SER MÃE?
Bom, pelo menos numa coisa concordamos, maternidade não é algo instintivo, é algo que se aprende a desejar a ser, ou não. Debaixo de muita violência, insistência e moralidade.
Assim, de forma geral, fica muito difícil escapar da rota predeterminada. Ainda criança, minha filha ganhou um jogo de tabuleiro, que se chama “jogo da vida”, muito simbólico. O jogo se dá no girar da roleta. A depender do número, o carrinho vai seguindo cartesianamente sua vida…. Nesse jogo você pode até ser um ‘sem profissão’, viverá com um baixo salário, mas o jogo continua, afinal, nessa estrutura que vivemos pra ‘ter rico tem que ter pobre’, já me disse um conhecido.
Porém, nessa trilha existem duas paradas obrigatórias: o casamento e os nascimentos dos filhos. Não adianta fugir. É regra. Não é possível não casar. Não é possível não ter filho.  Casar e ter filho são a base para o restante do jogo. Se você é homem usa bonequinho azul, se você é mulher usa bonequinho rosa. Lógico! O jogo também determina se seu filho será menino ou menina e aí, de acordo com isso, você encaixa o bonequinho rosa e azul. A partir daí, se conquista e se gasta muito dinheiro. E adivinha? Vence o jogo quem é ‘melhor sucedido’ e chega ao ponto de chegada rico.
Em uma intervenção numa partida entre minha filha e amigos na minha casa, subverti e casei com outra menina. Isso foi suficiente para o alvoroço ficar armado. Foi tenso perceber o quão parecia sem sentido, para aquelas crianças, aquilo seguir adiante. As crianças que disputavam a partida tinham por volta de oito anos de idade, e todas concordaram que se eu casasse com uma menina o jogo não poderia continuar porque eu não poderia ter um filho. Permaneci desobediente e casada com minha bonequinha rosa e o desconforto foi notório.
O jogo não é uma inocente brincadeira. Pelo contrário, é mais um aparelho pedagógico de domesticação da sexualidade, das categorias de gênero enquanto fixas e de perpetuação de valores e normas heterossexuais compulsórias que geram violência e exclusão. Mas me parece que a educação enquanto instituição está bem pouco preocupada com isso, para não dizer que ela silencia e corrobora com essas estratégias. O não posicionamento é posicionar-se.
Seguindo esse roteiro, na vida para além do tabuleiro…
Estudamos e trabalhamos para ter uma família, foi por isso que muita gente me olhava na adolescência e dizia que se eu não ‘desse um jeito na minha vida’ acabaria sem marido e sem filhos. Claro que sim! Faz sentido, esse é jogo da vida! Essa é a família que será mantida a QUALQUER CUSTO, sabemos bem quem sai violentada nisso. Sabe-se quem precisa entender que ser mulher é ceder, porque os homens são imaturos e nós mulheres sagradas precisamos nos manter santificadas e sucumbir pelo bem da família, já que essa é a estrutura familiar tida como fundante para a formação de um sujeito emocionalmente saudável. Quem carrega isso é a mulher.
Os desdobramentos disso eu vejo todos os dias. Enquanto mãe eu sinto na pele, nos olhares inquisidores, na deslegitimação de minhas escolhas contra-hegemônicas, no tomar as rédeas da minha vida. Muitas vezes sou acusada de ser uma mãe relapsa. Outras tantas de doutrinar meus filhos contra a pedagogia opressora. O que eu sei é que dando ‘tudo certo’ ou não, o ‘erro’ dx filhxs dos filhos será mérito meu.
Enquanto professora, sinto no impacto das relações entre meninos e meninas na sala de aula, entre o esforço para se manter as coisas nos seus devidos lugares, enquanto ainda se é possível. Pois a infância ainda é o lugar de controle e autorização para o exercício de normas perversas.
Vejo muitas mães se preocuparem em manter relações de amizade de menina com menina, porque ‘assim fica mais fácil na adolescência’. Aí a menina experimenta o corpo da coleguinha e é catequisada pela mesma mãe a obedecer a heteronorma. É preciso reproduzir, é preciso ser mãe, é preciso dar netos. Isso é enlouquecedor! Mas… Essa mãe certamente já experimentou carregar o fardo de ter que acertar o destino da filha.
O resultado dessa infância saudável é responsabilidade da mãe. Ainda que muitos (maus) comportamentos infantis sejam justificados pela ausência paterna, a culpa muitas vezes recairá sobre a mãe, que depois de não ter sido mulher suficiente para ‘segurar esse homem’, quase sempre não terá sido macho suficiente para suprir a falta dele na vida dessa criança.
A culpa é uma forte aliada nesse processo. O mito da maternidade enquanto sagrada se encarrega de enlouquecer corações maternos e desestabilizar a autoestima de qualquer mulher. A culpa pela ausência, culpa pelo excesso de presença, culpa pela falta de afetividade, culpa pelo excesso, culpa, culpa, culpa, o equilíbrio parece ser algo inatingível para nós.
Até aqui eu descrevo situações corriqueiras de mulheres cis, mas podemos sim fazer um recorte de classe e etnia, já que sabemos que as demandas de mulheres negras e de classes tidas como menos favorecidas, no que diz respeito à violência do discurso de maternidade, serão outras, muito mais específicas. Muitas crianças dessas mães não terão acesso ao jogo da vida, mas a viverão em seus dias e noites através de violência e até ludicidade e resistência.
Mas as opressões da maternidade não só respigam nessas outras mulheres. Sabemos que, por exemplo, esse é um discurso muito acionado, inclusive por mulheres cis, para deslegitimar o gênero de mulheres trans. Se não tem útero, não pode reproduzir, se não pode reproduzir, não pode ser mulher. Ora, ora… logo mulheres ativistas pelo direito ao uso do corpo, logo mulheres que precisam ir pra rua para dizer que não terão filhos porque simplesmente não querem ter se articulam no intuito de fazer esforços para utilizar justamente de argumentos que lhe desqualificam para se achar no direito de se apropriar da categoria mulher e determinar que as mulheres trans são ou não “de verdade”. No mínimo incoerente.
Os homens trans, então, têm o direito de reprodução deslegitimado completamente pelo discurso hegemônico da maternidade. Homem engravidar, numa sociedade em que a maternidade é mais um instrumento de garantia de poder masculino, é um afronta. É como se esses homens estivessem negando todo poder que “naturalmente” lhes foi dado.
Os desdobramentos não param por aqui, podemos falar de como a paternidade, não por acaso, se torna uma vivência muitas vezes silenciada, seja em suas conquistas e direitos como em seus privilégios ‘naturais’. Sobre isso caberia escrever outro texto.
O que eu quero com esse texto não é me colocar contra a maternidade, isso seria insano. O meu esforço é, mais uma vez, me colocar contra a imposição de um modo de vida. É desconstruir a tese de que só há felicidade na maternidade. Que uma mulher só será completa se for mãe. Isso é mentira. Muitas pessoas, por escolha ou falta de escolha, não são mães e resignificam isso, ocupam suas vidas com outras prioridades, trabalham de outras formas suas afetividades e constroem suas famílias em moldes outros. O que eu trago aqui é a forma como o machismo se apropria da maternidade para promover violência, exclusão em corpos e subjetividades que transitam por desejos outros que não o de procriar.
O importante é salientar mais uma forma de estruturação de gênero, que é cruel, e denunciar que, no jogo da vida, as paradas podem parecer obrigatórias, mas há várias linhas de fuga. Porém, o risco é constante e esse texto também é sobre João Antonio Donati, assassinado cruelmente, e é também sobre a morte diária de travestis e pessoas trans* que são assassinadas por não seguir uma das normativas básicas do jogo da vida.