Desde que comecei
estudar a desnaturalização de normatividades,
tenho sentido em mim e percebido
a dinâmica de relações de pessoas próximas, o funcionamento das ferramentas de
sustentabilidade das estruturas monogâmicas. Talvez nenhuma outra normatividade
opere com tanta eficácia, de forma tão enraizada em nossas subjetividades
quanto tudo que envolve a pretensão monogâmica, porque ela atravessa muitos recortes
existenciais ocidentalizados.
Há algum tempo
tenho lido pensadoras sobre não monogamias colocarem a estrutura monogâmica como
ferramenta a serviço do patriarcado e machismo. E sugiro ainda pensar , que por
isso e também, opera negociando com o pior da masculinidade, e promove junto
com machismo e misoginia, o feminicídio. Quase todos os crimes femicidas estão associados
com o sentimento de posse e dominação que a masculinidade junto coma monogamia costuram o tecido sociocultural,
que eleva a índices surrais os números sobre
feminicídio no país.
Nas ultimas
semanas um debate na internet me chamou atenção. Na verdade não trata-se de um
debate, pois um debate de ideias inclui uma troca de perspectivas, uma disputa
de narrativas, e não posso dizer que se trata disso. Soube através de redes sócias,
que Sthe e Dynho, dois integrantes do reality A fazenda, estavam cometendo o
CRIME de desacatar a normativa monogâmica. Ambos com relações ditas monogâmicas
fora do reality. Fui ver as supostas cenas de traição por curiosidade, e principalmente
para costurar tudo que venho pensado aa respeito da monogamia.
Vi cenas de
troca de afeto, ambos se dizendo amigos , e aqui fora, o mundo das redes sociais com o tribunal montado. Concluíram
que independente do que eles digam sobre
o que sentem sobre si, e sobre a relação que tem lá dentro, que são traidores de seus pactos
aqui fora. O ciber público twiteiro declarou guerra e produziu inúmeros memes, teorias de frases feitas,
contas de twitter, montagens de vídeos com todas as sequências de carinho
trocado entre os dois, falas confusas de quem estaá em confinamento há meses,
um arsenal de coisas, e o veredito veio através de cartas abertas de seus
parceiros aqui for. A sentença é: traidores. A pena: fim de seus projetos
afetivos aqui fora. Sem direito de defesa, de esperar a saída do reality para
que dialoguem sobre tudo que tem acontecido lá e aqui. NADA. Condenados. CANCELADOS.
A mulher então, está para sempre na mira dos ficais dos bons costumes monogâmicos.
Eu nem vou
chegar na questão dos envolvidos que estavam aqui fora , porque é demais querer
que eles dêem conta de serem críticos sobre a monogamia estando no foco da
fofoca e do terror emocional que move o Brasil virtual. Era muito grande a expectativa
sobre até quando ambos iam suportar tanta exposição. Até quando ambos iam
tolerar tanta: falta de cuidado, irresponsabilidade, traição.
Na vida real não
é diferente é até pior, e pode acabar em feminicídio.
Lembro que uma
pessoa conhecida sofria diversos abusos e agressões de seu parceiro, e nas noticias que me chegavam
eram assustadoras. O sujeito era violento,
mentiroso, corrupto, ladrão, péssimo pai, e a única vez que ela de fato
conseguiu se afastar dele foi pelo motivo de traição. Para ela, nada feito
antes disso, havia sido motivo suficiente para um rompimento. Mas a traição ‘já
era demais’. Isso me deixou muito
inquieta. Para mim, o que ele havia feito de menos importante foi infringir as normativas monogâmicas. Para ela,
era o ápice de seu problema. Confesso que tenho dificuldade em lidar com
situações que não fazem sentido. E esse é um belo exemplo disso. Senti muita
preguiça em lidar com isso.
Enquanto Sthe e
Dynho estavam lá dentro - digamos que o publico esteja certo - tendo uma
relação afetiva sem sexo. Suas vidas se transformavam drasticamente aqui fora.
Porque afrontar a monogamia é abuso demais. Eu não consigo mais olhar para situações
como essa e ver sentido. E pensar que a força que isso ganha em redes sociais
pode causar marcas profundas em todos envolvidos. O papel das redes sociais no
controle do desejo das pessoas. A monogamia conta como aliada a rede social, a
partir de uma lógica de vigilância constante,
se postou istories, onde foi, que horas foi, a roupa que estava, se reage às
postagens, se bloqueou, se curtiu a foto
de fulano, se interage com o boy é pq ele aparece primeiro no feed, eu já ouvi
de tudo. E a coisa é feita pra dar errado que o próprio instagram criou
ferramentas para que você consiga interagir com pessoas sem q isso lhe coloque
em risco de julgamento. Sorry bb, a entidade
monogamia sempre cria seus meios de se boicotar.
Uma amiga muito
chateava veio me contar como se sentiu ferida, porque descobriu que o boy
mandou foguinho na foto de uma mulher. Oi? Eu tenho até dificuldade de entender
essa problemática. A menos que vc coloque um gps completo nele, (e ainda que
coloque) ele pode ta transando exatamente agora com quem ele quiser, e você se
sente ameaçada com um foguinho em uma foto de internet? Quais garantia teremos
de que os contratos monogâmicos se sustentam? NENHUM. Jamais teremos . E é aí o
nó. Não existe possibilidade real de confiança total num contrato que pretende
dar conta de controlar o desejo do outro que por mais que a gente delire que sim,
não está sob nossa posse.
Ah , mas uma
coisa é desejar, outra coisa é fazer – dirão os defensores ferrenhos da
estrutura monogâmica. Essa debate aqui não é sobre o que você faz com seu
desejo e afetividade, nem o seu parceiro. Mas o que o controle desse desejo faz
com você e seu parceiro.
E aí quem consegue compreender que isso não se
sustenta e enfrenta essa normatividade mesmo que timidamente, começa a flexibilizar criando alternativas de
brechas nos contratos de relação e ai temos o famoso vale night , o sexo com
outro ‘desde que eu saiba , concorde e/ou participe’, desde que seja só com
mulher – dirão os machos ameaçados por outros machos, vale transar se for fora da cidade, o utópico
só pode sexo sem afeto(‘não vale se apaixonar’) , ou o não menos eficiente: ‘desde
que eu não saiba....’
É muito
cansativo pensar em quão trabalhoso é falar de não monogamia em um espaço/tempo
que se quer respeita o direito de aborto da mulher. Pensar que mães ainda
perdem guarda de filhos por serem usuárias de drogas, por serem prostitutas ou
porque assumem a não monogamia enquanto projeto de vida. A sensação é de pensar
essas naturalizações a partir de uma bolha muito pequena, distante e frágil.
Porém astuta, e insistente. Cá estarei, trazendo incômodos.