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quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Sthe e Dynho , e a defesa da monogamia.

 

Desde que comecei estudar a desnaturalização de normatividades,  tenho sentido  em mim e percebido a dinâmica de relações de pessoas próximas, o funcionamento das ferramentas de sustentabilidade das estruturas monogâmicas. Talvez nenhuma outra normatividade opere com tanta eficácia, de forma tão enraizada em nossas subjetividades quanto tudo que envolve a pretensão monogâmica, porque ela atravessa muitos recortes existenciais ocidentalizados.

Há algum tempo tenho lido pensadoras sobre não monogamias colocarem a estrutura monogâmica como ferramenta a serviço do patriarcado e machismo. E sugiro ainda pensar , que por isso e também, opera negociando com o pior da masculinidade, e promove junto com machismo e misoginia, o feminicídio. Quase todos os crimes femicidas estão associados com o sentimento de posse e dominação que a masculinidade junto coma  monogamia costuram o tecido sociocultural, que eleva a índices  surrais os números sobre feminicídio no país.

 

Nas ultimas semanas um debate na internet me chamou atenção. Na verdade não trata-se de um debate, pois um debate de ideias inclui uma troca de perspectivas, uma disputa de narrativas, e não posso dizer que se trata disso. Soube através de redes sócias, que Sthe e Dynho, dois integrantes do reality A fazenda, estavam cometendo o CRIME de desacatar a normativa monogâmica. Ambos com relações ditas monogâmicas fora do reality. Fui ver as supostas cenas de traição por curiosidade, e principalmente para costurar tudo que venho pensado aa respeito da monogamia.

Vi cenas de troca de afeto, ambos se dizendo amigos , e aqui fora, o mundo  das redes sociais com o tribunal montado. Concluíram que independente do que eles digam  sobre o que sentem sobre si, e sobre a relação que tem  lá dentro, que são traidores de seus pactos aqui fora. O ciber público twiteiro declarou guerra e  produziu inúmeros memes, teorias de frases feitas, contas de twitter, montagens de vídeos com todas as sequências de carinho trocado entre os dois, falas confusas de quem estaá em confinamento há meses, um arsenal de coisas, e o veredito veio através de cartas abertas de seus parceiros aqui for. A sentença é: traidores. A pena: fim de seus projetos afetivos aqui fora. Sem direito de defesa, de esperar a saída do reality para que dialoguem sobre tudo que tem acontecido lá e aqui. NADA. Condenados. CANCELADOS. A mulher então, está para sempre na mira dos ficais dos bons costumes monogâmicos.

Eu nem vou chegar na questão dos envolvidos que estavam aqui fora , porque é demais querer que eles dêem conta de serem críticos sobre a monogamia estando no foco da fofoca e do terror emocional que move o Brasil virtual. Era muito grande a expectativa sobre até quando ambos iam suportar tanta exposição. Até quando ambos iam tolerar tanta: falta de cuidado, irresponsabilidade, traição.

Na vida real não é diferente é até pior, e pode acabar em feminicídio.

Lembro que uma pessoa conhecida sofria diversos abusos e agressões  de seu parceiro, e nas noticias que me chegavam eram  assustadoras. O sujeito era violento, mentiroso, corrupto, ladrão, péssimo pai, e a única vez que ela de fato conseguiu se afastar dele foi pelo motivo de traição. Para ela, nada feito antes disso, havia sido motivo suficiente para um rompimento. Mas a traição ‘já era demais’.  Isso me deixou muito inquieta. Para mim, o que ele havia feito de menos importante foi  infringir as normativas monogâmicas. Para ela, era o ápice de seu problema. Confesso que tenho dificuldade em lidar com situações que não fazem sentido. E esse é um belo exemplo disso. Senti muita preguiça em lidar com isso.

Enquanto Sthe e Dynho estavam lá dentro - digamos que o publico esteja certo - tendo uma relação afetiva sem sexo. Suas vidas se transformavam drasticamente aqui fora. Porque afrontar a monogamia é abuso demais. Eu não consigo mais olhar para situações como essa e ver sentido. E pensar que a força que isso ganha em redes sociais pode causar marcas profundas em todos envolvidos. O papel das redes sociais no controle do desejo das pessoas. A monogamia conta como aliada a rede social, a partir de uma lógica de  vigilância constante, se postou istories, onde foi, que horas foi, a roupa que estava, se reage às postagens,  se bloqueou, se curtiu a foto de fulano, se interage com o boy é pq ele aparece primeiro no feed, eu já ouvi de tudo. E a coisa é feita pra dar errado que o próprio instagram criou ferramentas para que você consiga interagir com pessoas sem q isso lhe coloque em risco de julgamento. Sorry bb,  a entidade monogamia sempre cria seus meios de se boicotar.  

Uma amiga muito chateava veio me contar como se sentiu ferida, porque descobriu que o boy mandou foguinho na foto de uma mulher. Oi? Eu tenho até dificuldade de entender essa problemática. A menos que vc coloque um gps completo nele, (e ainda que coloque) ele pode ta transando exatamente agora com quem ele quiser, e você se sente ameaçada com um foguinho em uma foto de internet? Quais garantia teremos de que os contratos monogâmicos se sustentam? NENHUM. Jamais teremos . E é aí o nó. Não existe possibilidade real de confiança total num contrato que pretende dar conta de controlar o desejo do outro que por mais que a gente delire que sim, não está sob nossa posse.

Ah , mas uma coisa é desejar, outra coisa é fazer – dirão os defensores ferrenhos da estrutura monogâmica. Essa debate aqui não é sobre o que você faz com seu desejo e afetividade, nem o seu parceiro. Mas o que o controle desse desejo faz com você e seu parceiro.

E aí  quem consegue compreender que isso não se sustenta e enfrenta essa normatividade mesmo que timidamente,  começa a flexibilizar criando alternativas de brechas nos contratos de relação e ai temos o famoso vale night , o sexo com outro ‘desde que eu saiba , concorde e/ou participe’, desde que seja só com mulher – dirão os machos ameaçados por outros machos,  vale transar se for fora da cidade, o utópico só pode sexo sem afeto(‘não vale se apaixonar’) , ou o não menos eficiente: ‘desde que eu não saiba....’

É muito cansativo pensar em quão trabalhoso é falar de não monogamia em um espaço/tempo que se quer respeita o direito de aborto da mulher. Pensar que mães ainda perdem guarda de filhos por serem usuárias de drogas, por serem prostitutas ou porque assumem a não monogamia enquanto projeto de vida. A sensação é de pensar essas naturalizações a partir de uma bolha muito pequena, distante e frágil. Porém astuta, e insistente. Cá estarei, trazendo incômodos.