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segunda-feira, 20 de abril de 2015

Se eu fosse Verônica

 

 
 
Eu não sei o crime que Verônica cometeu. Sinceramente eu não procurei saber. O que eu sei é que não faz a menor diferença diante dos fatos em questão. No último domingo (12), Verônica foi detida, após conflito entre vizinhxs, e na delegacia teve seu cabelo raspado, foi colocada em cárcere masculino e foi espancada. Após reagir à violência mordendo a orelha de um dos policiais que lhe agredia, Verônica foi oferecida à imprensa em condições desumanas, quando mais uma vez foi violentada. (Leia mais aqui, http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2015/04/15/em-defesa-de-veronica-bolina/ ).
O que é importante saber é que, se pudéssemos medir o tamanho do seu crime, e eu, mulher, branca, cis, classe média, tivesse cometido um crime duas vezes maior do dela, com certeza absoluta minha imagem não estaria estampada nos jornais, com quase todo meu corpo à mostra. Sem dúvida, a polícia pelo menos se preocuparia em esconder os meus hematomas, eu sofreria uma série de sanções sociais, além das jurídicas, por ser uma mulher criminosa. Mas provavelmente até marchas feministas estariam na porta da delegacia, mas eu não estaria violentada de forma tão escancarada, com o aval de toda uma sociedade. Disso eu tenho convicção.
Se eu fosse negra, a coisa estava mais complicada pro meu lado. Teríamos, com certeza, enquadramentos midiáticos horríveis, que naturalizariam minha aptidão criminosa de forma a fazer entender que é esperado que uma pessoa negra esteja ligada ao crime. Provavelmente meus advogados seriam menos interessados em mim, a polícia me trataria com o desdém racista, e eu teria muitos direitos infringidos. Mas, ainda assim, meu corpo não seria exposto nu, deformado por pancadas dessas policias. Caso, por algum ‘descuido’, acontecesse, os direitos humanos podiam até acionados.
Mas, para um corpo completamente abjeto, com o menor valor do mercado, a quem se aciona?
Verônica é travesti e negra. Quem é o Deus protetor dessas mulheres? Qual tipo de polícia é especializada para tratar com ela? Que tipo de assistência básica lhes é garantida? Que tipo de justiça lhe é ofertada? Que Direitos Humanos funcionariam a quem é cotidianamente desumanizada?
Se eu fosse a Verônica, porém cis e branca, e tivesse tirado um pedaço da orelha de um PM, para a metade a população eu seria uma louca a ser medicalizada, para outra metade eu seria até uma feminista resistente que chegou no seu limite para garantir sua sobrevivência.
Mas Verônica, é negra e travesti, e a sociedade, hegemonicamente, a lê como um monstro cometendo monstruosidades. A quem interessa?
Se importariam se eu, cis e branca, morresse na delegacia? Se eu aparecesse morta, quantos “menos um” seria dito sobre mim? Quantos acreditariam no que de fato aconteceu lá dentro? Verônica está presa, humilhada, torturada, completamente desamparada, e provavelmente deve estar lutando pela própria vida dentro da cadeia. Porque, desde os homens presos junto com ela, até os carcereiros, delegados, juízes, pouco se importam com a forma como se deu a prisão, a construção midiática em torno disso e sua repercussão.  Pelo contrário, esse é o corpo que pode e deve ser invadido, esse é o cabelo que deve ser arrancado, a unha que deve ser quebrada uma a uma, o batom que deve ser arrancado da boca debaixo de porrada, o seio que não merece poesia, o direito que deve ser negligenciado.
É didático, e muito doloroso, ler os comentários das reportagens cisexistas e transfóbicas, e compreender por quais mortes choramos, como sugere Butler: é verdade que todas as vidas deveriam importar, se a construção fosse essa, se as normatividades de gênero, sexualidade e raça não colocassem travestis no lugar máximo de abjeção e repulsa social. Mas não é, e sabemos que há uma potente escala de inteligibilidade que acessa nosso choro e sensibilidade, e é essa construção que nos deve interessar.
Talvez, ao desconstruir da hierarquização de inteligibilidade humana, as pessoas parem deslegitimar as identidades de gênero dissidentes e travestis deixem de ser apedrejadas, humilhadas, torturadas pela cultura fascista naturalizada. Talvez aí nos soe absurdo a cena de uma pessoa com as condições que Verônica foi apresentada pela polícia. E para a mídia a orelha do policial deixe de ser o que importa e escandaliza, e o caso passe a ser visto como um ato desesperado de revolta e sobrevivência de uma mulher sistematicamente violentada. E talvez aí as lágrimas pelas travestis comecem a rolar, o pronome feminino passe a ser respeitado, e seus direitos humanos básicos sejam garantidos.
Eu sou Verônicas, todos os dias. Pelo fim das brutalidades contra essas mulheres. 


Texto meu.
Publicado originalmente em Políticas do CuS

segunda-feira, 13 de abril de 2015

13 de abril


Então, hoje o dia foi doido. Eu cheguei as 7:30 atrasada na escola, e fiquei lá até agora, entrando e saindo de reunião. Mil vezes me perguntaram, - que data é hoje? Isso nunca acontece. Sempre sou eu a perdida que pergunta isso. E todas as vezes que me perguntavam, eu dizia, 13 de abril. E dizer isso era evocar uma série de sensações, umas domesticadas e outras não. E ai eu pensei. hoje é segunda-feira , dia de Exu, e 13. Muito mais doido que sexta-feira 13. Ainda mais sendo abril. 
Ainda mais.

E ai entre uma respirada e outra, eu olhava para o lado e via o tempo voando, a segunda indo embora e a minha de perspectiva de parar um pouco para cumprir o rito anual deste dia ficando mais distante. Esse ano passei o o dia bem consciente e nos intervalos entre uma fumaça e outra eu pensava em como a vida é linda e como os sentimentos nos fazem sentir mais ela. 

Não vai ser ainda esse ano que quebrarei o protocolo, continuo desejando o céu inteiro para vc, os sorrisos mais desajeitados, as gargalhadas mais impiedosas, as lágrimas mais justas, os sentimentos mais sutis e as memórias mais despretensiosas. Desejo, um rio de desejos, sinta todos, não os deixe passar. Espero que o controle remoto da minha mão, a direção do filme da minha vida esteja um pouco na sua, e que vc volte quantas vezes precisar. E que saiba que se apertar o pause o tempo continuará correndo, ainda assim. 
Nesse dia, eu quero estar mais perto de vc e estou. 
E lhe abraço bem forte, e te olho profundamente até o infinito, e vejo vc lá, sentado na praia, levando Renato muito a sério, como deve ser.
Que Exu esteja em seu caminho, e lhe oferte tudo que ele tem de melhor: vida. 

A palavra “Exu” significa, em ioruba, “esfera”, aquilo que é infinito, que não tem começo nem fim. Exu é o principio de tudo, a força da criação, o nascimento, o equilíbrio negativo do Universo, o que não quer dizer coisa ruim. Exu é a célula master da geração da vida, o que gera o infinito, infinita vezes.
É considerado o primeiro, o primogênito; responsável e grande mestre dos caminhos; o que permite a passagem o inicio de tudo. Exu é a força  natural viva que formenta o crescimento. É o primeiro passo em tudo. É o gerador do que existe, do que existiu e do que ainda vai existir.
Exu está presente, mais que em tudo e todos, na concepção global da existência. É a capacidade dinâmica de tudo que tem vida. Principalmente dos seres humanos que carregam, em seu plexo, o elemento dinâmico denominado Exu.
É  aquilo que no candomblé  chamamos de Bára, ou seja “no corpo”, preso a ele. É o que nos dá capacidade de agir, andar, refletir, idealizar. Sem  o elemento Bára, a vida sadia é impossível. Sem ele, o homem seria excepcional, retardado, impossível de coordenar e determinar suas próprias atitudes e caminhos de vida..
Realmente, Exu está presente em tudo. E damos como  exemplo inicial a concepção da geração da vida. O membro ereto do macho tem a presença de Exu- aliás, em terras da África, o membro rijo é o símbolo da vida, o símbolo de Exu - ; a penetração na fêmea, tema a regência de Exu; a ejaculação é coordenada por Exu; o percurso do espermatozóide dentro da fêmea, é regido por Exu; também na fecundação do óvulo  Exu está presente. E quando a primeira célula da vida esta formada, a presença de Exu se faz necessária. Já na multiplicação da célula, a regência passa por Oxum, que vai reger o feto até o nascimento.
Exu também está presente no calor, no fogo, na quentura. Presente se faz nos lugares poucos arejados, nos lugares onde existem multidões, nos ambientes fechados e cheios.
Exu está na alteração do ânimo, na discussão, na divergência, no nervosismo. Está presente no medo, no pavor, na falta de controle do ser humano. Também está perto na gargalhada, no riso farto, na alegria incontida. Para nós brasileiros, amantes do futebol, Exu está presente no grito de “gol”, que soltamos de forma feliz e nervosa. É o desprendimento do nervosismo contido no peito.
Exu é a velocidade, a rapidez do deslocamento. É a bagunça generalizada e o silêncio completo. Diz-se que Exu é a contradição. É o sim e o não; o ser e o não ser. Exu é a confusão de idéias que temos. É a invenção,  descoberta. Exu é  o namoro, é o desejo, é o sentimento de paixão desenfreadas e é também o desprezo. Exu é a voz, o grito, a comunicação. É a indignação e a resignação. É a confusão dos conceitos ba´sico. Aquele que ludibria, engana, e confunde; mas também ajuda, dá caminhos, soluciona. É aquele que traz a dor e a felicidade.

Exu é a força que atua sobre o negativo de qualquer pessoa tentando equilibrar essa ação. É aquele que faz o erro virar acerto e o acerto virar o erro. É aquele que escreve reto em linhas tortas, escreve torto em linhas retas e escreve torto em linhas tortas.
Mesmo nos momentos em que nos vemos no meio do caos, Exu sabe fazer com que a ordem prevaleça. Exu não gosta de displicência e de injustiça, não aceita nada mais e nada menos do que lhe é de direito e de dever.

Um bom presente de aniversário: 

domingo, 5 de abril de 2015

março se foi,

e que seus estragos permaneçam intactos.  Era preciso. Essas duas ultimas semanas de março me levaram tudo que eu tinha de certeza do controle em minhas mãos. Eu preciso disso. Eu preciso passar por essas coisas para parar de me iludir com esse sentimento cretino. 

No final, que tá longe de ser o fim, deu tudo certo. E eu sei que dará, pq é assim mesmo,  a vida, sempre nova, acontecendo de surpresa. Afinal, o mundo seria um caos sem músicas, poesias, e literatura não é? Aprendi assim.

Eu fiquei muito triste, e sem saber por onde reorganizar a vida, e os sentimentos, mas hoje, apesar do medo, eu tenho mais é que agradecer a meus orixás e que , em nenhum momento deixaram de estar comigo, pelo contrario. Me presentearam com a possibilidade de sinceridade e a oportunidade de sentir os melhores sentimentos.
Tá tudo certo, tudo bem. 

E Tempo será meu guia. Iroko Issó! Eró!Iroko Kissilé!!! “O TEMPO DÁ, O TEMPO TIRA, O TEMPO PASSA E A FOLHA VIRA” Que Zara Tempo, que Tempo Zará, Olorum Modupé!

Quero outras semanas, com tão pouca santidade, e tanto axé e buniteza, ...tanta sobra de afeto. Quero o cuidado deles e a presença sua, sempre que possível,e quando impossível seja também, presente. 


Então, não desista de mim, vida. 


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Você se lembra

Entre as estrelas do meu drama
Você já foi meu anjo azul
Chegamos num final feliz
Na tela prateada da ilusão
Na realidade onde está você
Em que cidade você mora
Em que paisagem em que país
Me diz em que lugar, cadê você
Você se lembra
Torrentes de paixão
Ouvir nossa canção
Sonhar em Casablanca
E se perder no labirinto
De outra história
A caravana do deserto
Atravessou meu coração
E eu fui chorando por você
Até os sete mares do sertão
Você se lembra..

Geraldo Azevedo