Há conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a
melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente
acredita que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito.
Acham que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis
de conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho -
esses tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade?
Eu suspeito que não.
Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a garota na
mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus
defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de
graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil –
e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e
cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como
sócio. É engraçado, mas dói.
Também somos educados para o
sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem valor. Somos uma
sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos esforçar para obter
recompensas. As coisas que realmente valem a pena são obtidas à duras
penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa - na escola, no
esporte, no escritório - levamos seus pressupostos para a vida afetiva.
Acabamos acreditando que também no terreno do afeto deveríamos ser
capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de conquistas épicas
para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais, não vale. Amor
assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo?
Minha experiência sugere o contrário.
Desde a adolescência, e no transcorrer da vida adulta, todas as
mulheres importantes me caíram do céu. A moça que vomitou no meu pé na
festa do centro acadêmico e me levou para dormir na sala da casa dela.
Casamos. A garota de olhos tristes que eu conheci na porta do cinema e
meia hora depois tomava o meu sorvete. Quase casamos? A mulher cujo nome
eu perguntei na lanchonete do trabalho e 24 horas depois me chamou para
uma festa. A menina do interior que resolveu dançar comigo num impulso.
Nenhuma delas foi seduzida, conquistada ou convencida a gostar de mim.
Elas tomaram a iniciativa – ou retribuíram sem hesitar a atenção que eu
dei a elas.
Toda vez que eu insisti com quem não estava
interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da
indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na
minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa
são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram
resultado.
Relato essa experiência para discutir uma questão
que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos insistir em obter a
atenção de uma pessoa que não parece retribuir os nossos sentimos?
Quem está emocionalmente disponível lida com esse tipo de dilema o
tempo todo. Você conhece a figura, acha bacana, liga uns dias depois e
ela não atende e nem liga de volta. O que fazer? Você sai com a pessoa,
acha ela o máximo, tenta um segundo encontro e ela reluta em marcar a
data. Como proceder a partir daí? Você começou uma relação, está se
apaixonando, mas a outra parte, um belo dia, deixa de retornar seus
telefonemas. O que se faz? Você está apaixonado ou apaixonada, levou um
pé na bunda e mal consegue respirar. É o caso de tentar reconquistar ou
seria melhor proteger-se e ajudar o sentimento a morrer?
Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir?
Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela
insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a
escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não
temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%,
oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do
tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma
inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar)
num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e
frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios.
Uma
das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a um assédio
longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples razão de que
ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito ostensiva sem
desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se dissipam. Eles ficam
e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o tipo de
personalidade que insiste demais numa conquista pode estar movida por
motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela dificuldade? É um
caso de amor ou de amor próprio?
Ser amado de graça, por outro
lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos
fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no
churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou
você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de
braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor
do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de
sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de
nada.
IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA
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