Tirando a venda
dos olhos, a luz incomoda, desconforta. Uma irritabilidade inevitável naquela luz invadindo meu corpo e me tomando... tomando o que
eu tenho de mais seguro e estável: minhas verdades e certezas.
Os estudos queer
tomaram de mim minha identidade. Arrastaram pela ladeira abaixo,
desconfiguraram, decodificaram minha identidade fixa. Eu que adorava dizer: sou
assim e vou morrer assim. Daí vem esses estudos queer e jogam na minha cara que
não sou tão assim, assim, e falam de trânsito, de fluidez.
Foi com estudos
queer que descobri que minha tão sagrada heterossexualidade não é natural. Isso
mesmo, eu não nasci hétero. Aliás, esse
conceito de heterossexualidade foi construído e reproduzido e ainda me jogam na
cara que é reproduzido por interesses de poder. A minha heterossexualidade
então é só mais uma possível sexualidade e que, mais profundamente falando, sequer
existe uma só heterossexualidade, existem várias formas de vivenciá-la.
Os estudos
queers também me proporcionaram um grande desgosto em saber que o mundo não é
divido em azul e rosa. Era tão mais fácil: menino azul e menina rosa. Lógico.
Mas não, meninos não nascem gostando do azul, dos carrinhos e das bolas, nem as
meninas das panelinhas e dos bebês que trocam as fraldinhas. Eu ensinei isso
para meus filhos. Eu, o desenho animado, o coleguinha, a escola, e todos os
presentinhos bem intencionados construíram o gênero de meus filhos... e eles
nem eram nascidos quando isso aconteceu. Lá na ultrassonografia, quando o
médico disse: é menina! E minha casa virou um grande mundo rosa e todos os
amiguinhos dela seriam possíveis namoradinhos.
Foi muito
frustrante saber que, por trás de meu comportamento moderninho, tinha um bocado
de discurso autoritário e ao mesmo tempo obediente às normas, que me achava autorizada
a não aceitar que dois homens se beijassem na frente de meus filhos. Os gays
podiam existir, eu deixava, já não era o
bastante? Não, os teóricos queer me comprovam
que na verdade eu vivo da forma que eu nunca concebi: desejando a norma. Mas o
pior de tudo foi depois me mostrarem que essa norma hegemônica incide sobre os
mais subversivos dos seres. Comigo não seria diferente. E eu, politicamente de
esquerda, sempre antenadíssima nas mazelas sociais, sempre... estava confortavelmente
reproduzindo.
Mas o mais
destruidor pra mim foi parar de rir das piadas, não achar mais graça do que me
é abjeto, aquele riso perverso, gostoso de dar à custa da abjeção alheia, que
tanto me fortalecia e que garantia minha supremacia e agora não tem mais força.
Meus amigos de infância eram tão doces, bonzinhos, divertidos, compartilhávamos
de quase tudo. E hoje nada mais. Minhas amigas de sempre, de guerra, de
risadas, de aprontes ocupam um interminável espaço de um dia no ano de
encontro, e nesse dia os comentários machistas, sexistas, homofóbicos,
racistas, preconceituosos, simplesmente não me deixam gostar de estar ali.
Meus ouvidos
estão sensíveis a tudo: música, poesia, teatro, novela, filme, nada me escapa
uma análise crítica do discurso. A minha banda preferida virou “A melhor banda
heteromonogâmica do Brasil” e tem passado por duras análises.
Minha índole
pacifica e tolerante, que me fazia ser de tão fácil convivência, os estudos
queer detonaram e fizeram de minha docilidade um arsenal desconstrutivo contra
toda e qualquer injúria e tentativa de aprisionamento de identidades.
Eu estou
impossível. Como posso gostar dos estudos queer? O que fazer agora diante de
tanto mal estar? Como volto para minha zona de conforto? Qual escola dará conta
de tudo que quero que meus filhos não sejam? Como usufruirei tranquilamente de
meus privilégios por aparentemente estar dentro das normas de gênero e
sexualidade? Quem dará conta da minha inquietude? Hein, Estudos Queer?
Um comentário:
O lance é viver na inquietude.
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