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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

quando invade

não faço a menor ideia de pq estou pensando nele.

Talvez seja dezembro.

Quando eu era criança a gente se dava muito bem. Ele era safo. E tinha um olhar muito profundo. Uma sensibilidade até irritante para mim. E ao mesmo tempo uma sedução irresistível. Desde criança eu sabia disso. Dani era especial. Nem me dava bola, nem thcum pra mim. Eu tinha aquela admiração de primo mais velho, pela pegada de malandragem. Diziam que eramos primos. Vários e vários anos passamos as ferias juntos lá em Porto Alegre. Sua casa era sempre  a minha primeira parada antes de visitar a familia. Lembro uma vez de ter ficado muito além de umas ferias, moramos juntos por alguns meses eu com 8 ele com 10 anos... lembro que fomos feliz... brincávamos no condomínio dia e noite... corríamos, ele não parava um minuto, sempre inventava coisas pra tá em movimento. Dançavamos musicas da época....ele dançava e eu amava isso!Ele tinha a pegada de me mostrar a liberdade. Sempre quis ir alem de tudo. Sempre quis me mostrar que eu também podia... Em uma época ele ficou bem mais velho que eu. Apesar da pouca diferença, os dois anos apreciam dez... acho que eram suas experiencias de vida e seu jeitão de quem já viveu muito, mesmo com 12 anos. Foram nossas ultimas ferias intensas juntos.
Tinha muita coisa boa entre nós. Não lembro de briga, nem rejeição, não lembro de exclusão, só parceira, amizade e muito carinho.
Crescemos o resto da vida separados. Sabia das noticias dele por nossas mães, amigas de infância.....
amigas irmãs. Daquelas de serem a pessoa de emergência uma da outra...mesmo com toda distancia entre o sule  o sudeste. Tia Rô foi talvez a tia mais próxima de minhas lembranças.... e eu amava ela.
Nasceu no mesmo dia que eu.
Adolescemos distante um do outro , e as noticias de Dani eram cada vez mais preocupantes. Nunca nos falávamos. Interna, desinterna. Rua, vicio, roubo, interna. Recupera, rua, vicio , roubo, prisão... As vezes acalmava... as vezes as noticias eram outras, ta namorando, em casa ha quase 3 meses, limpo.
Nesse tempo nunca falávamos, tinha tido um abismo entre nós. Eu sei que isso foi provocado pelo medo da minha mãe que via em mim uma potencial viciada.
Eu nunca fui atras. Tinha medo de ser rejeitada por ele. Medo, sempre.
Até que em 1999, com 17 anos morando em Santa Maria decidi ir pra Porto Alegre passar um feriado... Cheguei na casa de Tia RÔ.  Tarde da noite, umas onze talvez.
Nem sabia se Dani estava numa época de calmaria ou agitação.. Para minha surpresa ele estava lá.
Foi nossa noite. Parecia que nenhum segundo tinha passado. Deitamos no chão e li suas poesias, suas musicas. Dani estava lindo. Estava muito mais lindo do que nunca.  Adorava aquele estilo dele de ' to nem ai pra nada' , meio bandido, meio moleque...solto, calças largas demais pra seu corpo, camisa preta , larga mais ainda... nessa fase isso muito me seduzia....mas não era nada daclarado ,e talvez nem consciente na época...
A noite demorou a passar... conversamos sobre tudo... sobre suas aventuras. Sobre as minhas... ele me olhava como se eu fosse uma coisa que nao devia ser tocada...eu percebia isso.. eu n sabia explicar a estranheza em seu rosto... um olhar de quem tem dó ... e eu olhava para ele com a admiração de quem desejava voltar a brincar de bicicleta ... sempre quis. Conversamos sobre os momentos dificeis que ele passou, da tentativa de mudar a vida. Ele queria.
Em determinada hora da noite eu achei que a gente ia namorar. Eu olhei pra ele e ele me olhou profundamente... rimos , desconversamos, silenciamos os desejos e as admirações.... ele fugiu e eu não tinha coragem de ir atras dele... seguimos entre as musicas e promessas de outros encontros... ele pegava em minha mão, deitava bem coladinho em mim, mexia no meu cabelo... muito carinho.Vi seus desenhos, e neles suas angustias... como desenhava lindamente.. um artista! Lembramos as coreografias da gente enquanto a casa dormia. Falamos de sua namorada. Tinha uma namorada. Ai eu me achei tola, mais ainda.
Nossos sentimentos eram muito misturados... percebemos minha tia Rô acordar... veio nos colocar na cama... colocar ordem na casa....com medo. No dia seguinte, acordamos , comi. Muito feliz com a noite agradável que eu tive, muito feliz em ter ido lá naquele dia que ele tava lá.... muito feliz por ter recebido aquele olhar, que eu sabia q tinha alguma coisa , mas não entendia o que era,  que dimensao tinha, se era acessivel, se era pra mim. Minha tia Rô apressava minha ida... me senti indesejada naquela casa.
Fui embora. Ele fez questão de me levar no ônibus. Nos despedimos com um abraço forte, daqueles que nao se quer deixar mais ..... daqueles que a gente sabe que nao sabe quando mais terá.... e nos prometemos outros encontros.
Passei o final de semana la... entre outros amigos.. e pensando nele. Bebi.
Voltei segunda feira pra Santa Maria... meses depois voltei pra Bahia... péssimas noticias, e assim se seguiram os anos, interna, volta, vai pra são paulo, volta, vai preso, overdose. Volta, limpo. Nunca mais falamos, ele n tinha celular, nem eu , n era comum. Nossas mães se falavam religiosamente aos finais de semana. As noticias oscilavam... até que soube que Dani tava feliz. Limpo há meses. Morando em São Paulo, estava quase casado com uma moça que conheceu durante o ultimo tratamento. VI fotos. Ele tinha deixado de ter muitas caracteristicas fisicas q eu conhecia, mas seus olhos eram os mesmos... e ele estava feliz, eu podia ver.... e nos perdemos.

Dois anos se passam, até que minha mãe me chama com lágrimas:

O Dani vai morrer.

-Hã? Como? E nossas promessas? E as musicas? Ele vai casar!
Limpo ha três anos Dani sentiu dores nas costas, e só saiu morto do hospital. HIV. Ele não sabia. Ninguém sabia...
eu não sabia onde ir, o que fazer. Escolhi não ver ele morto. Escolhi sofrer de longe... acreditando que ele estava ali. Ele se foi , e aquela noite foi a nossa ultima. Chorei por meses a morte dele. Meses....

Dois anos depois,

O câncer da tia Rô volta. Minha mãe sofre, vai pra florianopolis, volta.... vai e volta... acompanha o tratamento. Metastase.
Vamos realizar o sonho da tia Rô, vamos trazer ela pra Bahia. Poucos meses de vida.
Dezembro de 2013. Veio ela, magrinha. Feliz, faceira, realizar o sonho da Bahia...

Ahhh minha querida tia... fui toda sua... estava numa fase de terrivel conflitos... dores, e compartilhando da experiencia dela. Foi foda. Fui toda sua... saímos, passeamos, levei ela no terreiro, jogamos, comemos, natal aqui em casa, seu ultimo.
Dani...dani...dani... sempre ele.
Até que numa sorveteria na Ribeira, ela me olhou bem séria e revelou, como se não pudesse morrer com aquilo.

_vc era o amor da vida do Dani. Eu nunca deixei. Eu nunca quis vc perto dele, eu sabia que ele podia acabar com a  tua vida. Mas inumeras vezes ele me pediu seu numero, inúmeras vezes ele quis vir pra Bahia, desde criança. Desde sempre. Aquele dia na minha casa eu implorei pra ele ir embora, implorei pra não ficar lá.... Ele terminou o  namoro dele assim que vc foi embora, deixou uma musica que fez pra vc,  voltou pras ruas, passou meses desaparecido.... e eu nunca te disse pra te proteger,E acredito que vc era realmente o amor dele pq vc foi a unica que ele protegeu disso tudo, a unica que saiu ilesa disso, a unica que ele nao conseguiu destruir a vida junto com a dele.

A medida que ela ia falando aquilo... aquelas palavras eram gravadas em mim... minha cabeça ficava zonza... me faltava ar. Ele vinha na minha frente, a gente criança, a bicilceta, as musicas, as brincadeiras, a cumplicidade, o cuidado... tudo muito rápido... e fique anestesiada. Devieria agradecer ela? O momento da vida ja me fazia enlouquecida ...ainda mais aquilo agora.. ele morto! Puta que pariu tia RÔ. Ela terminou a  conversa dizendo que se não fosse o craque , possivelmente teríamos sido namorados,.
 E eu tão distante disso... e eu tão ausente de tudo... vivendo uma vida tão diferente... tendo uma outra versão das coisas.

porque ele não me disse aquele dia? será qeueera verdade? pq ela tava falando aquilo?

Senti muitas coisas pela minha tia rô... ela abriu uma feridona em mim num momento critico... e eu não sabia a importancia daquilo... eu poderia morrer sem saber daquilo.. Dani ja tava morto já dois anos.


Dois meses depois.

Tia Rô foi pro hospital, o cancer não vai mais deixar ela viver num um mês... ... telefone. Morreu.
Depois de acompanhar o sofrimento de minha mãe, o luto pela amiga-irmã... o choro infantil dela, cotidiano... eu lembrei de tudo de novo... e entendi que quem nao podia morrer com a sensação de que tava deixando de contar algo era ela, e a perdoei por não ter me deixado ver as coisas como eram... que nao acreditou que as coisas pudessem ser melhores ....

Hoje eu penso, como teria sido se...


e desisto.  Descobri que o que não foi , não foi....   e que morro de saudade da expectativa de noticias dele, da sensação de ter ele perto de mim, por uma noite e nunca mais.


saudade sem fim Dani.


meses antes de falecer.



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