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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Carta para Felipe

Lipe,

Quanto tempo não me referia a vc assim.... desde ontem meus pensamentos estão para vc, o Dudu e a Gabi. Confesso que fiquei muito abalada, pq acreditava na recuperação dela, acreditava muito. E sou mãe, divido com ela a angustia de saber que está deixando o filho. Mas, na verdade, estou aqui para falar de você. 
Há uns dez anos atrás vc foi embora da minha vida, da mesma forma que entrou, de supetão. Desde então nunca mais nos olhamos nos olhos e isso é muito esquisito. Hj eu tenho 30 anos , dois filhos e muitas coisas mudadas em mim, meus bens imateriais são os meus mais preciosos, são os bens que eu não posso pegar , mas que tranquilizam minha alma e esclarecem minha escuridão. Eles me permitem por exemplo olhar pra trás e ver que vivemos felizes nosso namoro.... com toda loucurada...me diz,  qual era nosso problema? Dinheiro? Ciumes? Expectativas frustadas? Diante de nossa vida hoje , podemos dizer que tínhamos problemas? 
Em fim, esses bens imaterias que possuo, a vida me deu através de minhas experiencias, da minha tragetória , dos ensinamentos da minha mãe, da troca com a minha irmã, dos namorados que amei, das vezes que me frustei, das risadas que marcaram, do ensinamento diário que meus filhos me possibilitam... e principalmente a Universidade. 
Através dela eu compreendi uma movimentação que muito me inquietava e que não entendia. Não entendia e não gostava , porém não sabia como me movimentar diferente. Algumas coisas na nossa forma de viver a vida me fazia menos segura de meus desejos. 
Hoje quando lembro dos nossos anos de namoro, lembro nossos momentos difíceis, das coisas que me frustravam em vc, e consigo compreender perfeitamente , porque me incomodavam e porque para vc era tão difícil mudar. 
Foi lá na universidade que fui materializar a nossa dimensão no mundo. Fui compreender que somos todos construídos, numa lógica onde alguém constrói as coisas, as leis, os poderes, as religiões, e alguens que dão  valor a tudo na nossa sociedade. Alguéns com interesses nem sempre obvios, nem sempre claros o suficiente para a gente ver.
E aí eu compreendi que temos caixinhas. Caixinhas foram construídas para gente caber dentro, são caixas apertadas, com etiquetas bem escritas "branco" "negro" "índio" "católico" "protestante" "evangélico" "espirita""gay" "hétero""bi" "homem" "Mulher" "Rico" "pobre". Poderia passar a noite aqui, categorizando, falando o nome dessas caixinhas,e ai , aquelas mesmas pessoas que nos dizem e nos lembram todos os dias em qual caixinha nós devemos entrar são as mesmas pessoas que fecham as gavetas e nos deixam de fora de tudo quando por algum motivo não entramos nas caixas. 
Quem tá lá dentro das caixinhas está bem confortável e não quer nem saber o que acontece fora dela. 
E quem não tá? Pois é, tem gente , muita gente que tenta entrar nessas caixas, tenta numa, tenta noutra, e sempre uma parte de si fica de fora. É dificílimo caber nelas, e se conseguir entrar lá dentro é um aperto só, qualquer tentativa de se mexer pode ficar alguma coisa de fora.
E é assim que somos a maioria. Tentamos todos os dias nos encaixar nessas caixas, caber em algum lugar, pertencer a algum lugar, mostrar para pessoas que somos dignos dessas caixas. Muitas vezes nem sabemos se queremos mesmo estar nelas... mas pensar nisso é difícil porque também nos ensinam a não questionar porque temos que entrar em alguma dessas malditas caixas. 
Você e eu temos algo muito em comum, não cabemos nunca nelas. Eu , nunca me senti representada por nenhum esteriótipo de beleza, nunca me percebi igual as mulheres lindas que nos ensinam que são lindas  e que devemos ser assim, devemos atingir esse padrão... e isso me causava muito mal-estar , principalmente quando criança....quando comecei a pensar em namorados. Mas pelo menos eu pensava em namorados, não pensava em namoradas... porque ai já estaria fora de outra caixa. 
Você coube direitinho na caixa que eu não entrei. Lindo de morrer....sempre.Branco, olhos azuis, cabelos lisos, sorriso completo, peso ideal...todo dentro do padrão de beleza..... Mas nunca coube na caixa da "normalidade" , suas necessidades sempre foram fora do padrão. 
E aí  muitas coisas ficam de fora, porque você não atendeu as expectativas da normalidade , que é a caixa básica. Se tem uma coisa que vc não é, é normal. E isso me inquietava. Hoje o que me inquieta é... porque eu tenho que ser normal? Mais: O que é ser normal? Quem determinou o que é ser normal e o que é ser anormal?O que é o certo e o errado? 
E foi assim que eu cheguei a conclusão que ser normal é muito, muito chato. Que ser normal é ser comum, que ser normal é ser igual. E nessa igualdade eu não acredito e eu não quero para mim. Foi assim que de um namorado que me trazia lembranças de dor, você se transformou num grande exemplo de pessoa. 
Você está longe de ser normal e isso é que é lindo em você.
Hoje eu já lembro de nossa relação como a grande oportunidade que tive de viver com o diferente. Depois de você tive duas pessoas intensas na minha vida.Os pais de meus filhos. Eles foram o oposto que vc foi para mim. Foram a centralidade, o equilíbrio,  a normalidade. E foi com eles que mais desejei estar dentro das caixas, que mais lutei para estar dentro da maior quantidade de caixas que podia, quis atender todas as expectativas. No primeiro me frustei, e achei que entrei em poucas caixas, no segundo, foi tão bom pra mim , e é até hoje, que inicialmente sai entrando em todas as caixas que me ensinaram que eram "as melhores". E aí meu bem.... depois de tanto fechar e abrir caixa... resolvi sair de todas . E entrar onde eu quisesse, estrategicamente para sobreviver nessa sociedade, sabendo que nenhuma dessas caixas significa realmente NADA para mim. 
Sou louca? Devo ser.
Você foi o namorado que facilmente mais me desestabilizou, mais me frustrou, mas também o que mais de me acrescentou. Me fez questionar o que queria e não queria pra mim, o que arrancou gargalhas na marra, o que me mostrou o que é coragem, o que esteve por perto por todos esses anos como exemplo de muitas coisas.
O que eu quero dizer com tudo isso, é que depois de uma experiência como essa que vc vem passando, muita coisa sai do lugar, muito sentimento vem a tona e que é muito fácil a gente diante disso pensar que fez e faz tudo errado... mas que pensar nisso não vai te fazer melhor em nada.Você , só vc sabe exatamente onde vc acha que errou, e se isso lhe causa dor , recomece , tudo de novo, como vc fez quando chegou na Bahia, como você fez quando saiu daqui... como vc fez para estar em Camboriú. 
A dor lhe fará companhia ainda por um tempo, mas não faça dela uma companhia ruim, poque até a tal FELICIDADE foi criada, e só quem sabe o limite da sua é você. Isso não é uma carta de auto-ajuda. Isso é uma carta de amor... como a muito tempo não te escrevo uma.
Espero poder te dar um bom abraço dia desses.....
Fica bem, e continue sua caminhada do jeito que você achar melhor, e lembre-se que você não está só.

beijos

Carla.


Uma música para as noites que a dor dor maior que tudo, que a esperança quiser sumir e o mundo tentar gritar uma normalidade que não existe;

Escute:  http://www.youtube.com/watch?v=DIM1taAcUM0

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