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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Stonwall 40+ o que no Brasil?

https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/2260/3/Stonewall%2040_cult9_RI.pdf




O grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade, que atende pelo singelo nome de CUS, realizou, nos dias 
15, 16 e 17 de setembro de 2010, o seu primeiro evento, chamado Stonewall 40 + o que no Brasil?
2, realizado em Salvador. 

O objetivo foi o de debater e avaliar os estudos e as políticas públicas e identitárias no Brasil, tendo como 
marco a comemoração dos 40 anos da revolta ocorrida  no famoso bar de Nova Iorque, em 28 de junho de 1969.  Os textos reunidos aqui  são de autr@s que participaram desse evento, que só foi possível porque  nosso grupo foi contemplado com recursos do edital  de Cultura LGBT do governo do Estado da Bahia. Além  dos artigos, escritos especialmente para essa coletânea,  o livro conta com transcrições das mesas rondadas realizadas no Cinema do Museu. Algumas falas das mesas foram complementadas pel@s autor@s, que as transformaram em textos. 

Antes de tratar sobre os assuntos de cada um dos textos, gostaria de situar @ leitor@ nas discussões que atravessaram o evento,  que gerou polêmica entre pesquisador@s e militantes. Nesse 
encontro, ficou visível uma diferença entre as avaliações e análises  de algum@s participantes das mesas redondas e da plateia. De  forma simplificadora e incompleta, parece ter sido recriada uma  divisão entre acadêmic@s e ativistas, traduzida por alguns como  uma separação entre pós-identitári@s versus identitári@s ou entre  queer e adept@s do essencialismo estratégico.

Na edição de 2010 do Encontro Nacional Universitário da  Diversidade Sexual (Enuds) realizado em Campinas um mês depois  do Stonewall 40 + o que no Brasil?, a mesma dicotomia pairava  nas discussões realizadas nas mesas redondas, nas apresentações  de trabalhos, nas oficinas e também nas festas. A diferença é que  no Enuds foi possível ouvir algumas falas como: “os queer são  inimigos do movimento LGBT”, ou “estou preocupado com o fato  da academia ser vista como inimiga do movimento LGBT”.
E o que o evento promovido pelo CUS tem ver com essa  discussão? Integrantes do CUS estudam, desde o seu início, em  finais de 2007, as obras de pesquisador@s da Teoria Queer. Isso  permite que algumas pessoas concluam que, nessa aparente  disputa, nós estaríamos do lado d@s que seriam avess@s às políticas  identitárias e também, portanto, inimig@s do movimento LGBT. 

Primeiro alerta: @s autor@s da Teoria Queer não formam um  bloco homogêneo porém, pelo menos @s que nós estudamos e  acompanhamos, não são contra as políticas identitárias. Butler  (2002, p. 60), uma das expoentes da Teoria Queer, e que será citada  em vários momentos nesse livro, diz que é “[...] necessário fazer  reivindicações políticas recorrendo a categorias de identidade e  exigir o poder de nomear-se [...], mas também é preciso recordar o  risco que comportam essas práticas.”

Não se trata de ser contra a afirmação das identidades, mas de questionar, em especial em espaços não homofóbicos, o uso de determinadas estratégias e as relações de poder que estão inseridas 
nos discursos que tratam dessas questões.

O que a Teoria Queer faz, e vári@s pesquisador@s dessa coletânea e do CUS também fazem, é apontar os limites das políticas identitárias. Ora, há uma imensa diferença entre apontar limites, criticar determinados aspectos de certas ideias e estratégias, e ser inimig@ dessas pessoas, dos movimentos e das suas estratégias. Essa diferença precisa ser compreendida para não entrarmos em uma disputa que só nos enfraquecerá.Como diz Miskolci (2010, p. 10-11), outro estudioso da Teoria Queer no Brasil e que integra essa coletânea, 

[...] a proposta política queer não aponta para nenhuma divisão, antes é um apelo unificador à experiência comum de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e outr@s, ou seja, a experiência da vergonha. Ser chamado, leiase, ser xingado de bicha, gay, sapatão, travesti, anormal ou degenerad@ é a experiência fundadora da descoberta da homossexualidade ou do que nossa sociedade ainda atribui a ela, o espaço da humilhação e do sofrimento. Transformar esta experiência em força política de resistência é o objetivo da proposta original queer.

Qualquer avaliação sobre os estudos e políticas para a diversidade sexual no Brasil vai reconhecer uma série de avanços conquistados pelos movimentos, como vári@s autor@s apontam nessa coletânea, e também vai apontar o quanto ainda temos que avançar para que a comunidade LGBT tenha os mesmos direitos que os heterossexuais. Apenas gostaria de frisar que, em uma avaliação das conquistas e desafios do movimento LGBT, realizada em Salvador pelo ativista Toni Reis, todas as conquistas estavam relacionadas às “opressões institucionais” Antes de qualquer coisa, é preciso destacar que não se trata de 
ser contra nenhuma proposta ou projeto de lei que objetive dar à comunidade LGBT direitos que lhe são negados no Brasil. Mas isso não quer dizer que não podemos realizar um esforço crítico para  pensar quais são os limites dessas propostas e projetos. 

Esse foi um dos objetivos centrais do Stonewall 40 + o que no Brasil?, que replica nessa coletânea e gera questões como estas: por que elegemos esses  projetos e não outros? Por que temos essas pautas e não outras? Por que determinados projetos nos unem mais, nos emocionam e nos mobilizam mais do que outros? Por que nos concentramos tanto nos marcos legais e no combate à “opressão institucional”? Quais os riscos e limites dessas apostas?

Essas perguntas pairam em vários textos dessa coletânea e muitas reflexões da Teoria Queer podem ser úteis para respondê-las. Mas é preciso enfatizar que não é necessário ser seu estúdios@  para elaborar tais críticas. Aliás, essa discussão que agora aparece como “nova”, impulsionada pelos dois eventos citados no início do texto, na verdade já são discussões que estavam, de alguma forma,  embora em outros termos, presentes desde os primórdios do então Movimento Homossexual Brasileiro. Basta ler, novamente, o livro do professor Edward MacRae, A construção da igualdade, lançado  em 1990, ou o texto, do mesmo autor, Os respeitáveis militantes e as bichas loucas, publicado pela primeira vez em 1982 e que republicamos agora na abertura desta coletânea. Nesses textos, MacRae, que participou de uma mesa redonda em nosso evento, analisa movimentos homossexuais do período de 1978 a 1985.

Outr@s pesquisador@s, que publicaram trabalhos recentemente, também têm chamado a atenção sobre os limites de nossas políticas. O professor Sérgio Carrara, por exemplo, que nunca manifestou estar ligado às perspectivas queer, em artigo publicado na revista Bagoas, depois de fazer um panorama sobre as políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo, aponta pelo menos três “perigos” (aspas são do autor do texto) que, segundo ele, mereceriam atenção do movimento LGBT brasileiro. Carrara diz que 


“[...] uma das possíveis consequências da judicialização da política”, entendida por ele como a tendência de se “[...] canalizar ou formalizar a luta política na linguagem dos direitos”, é que corremos o risco de apostar em uma “[...] ‘utopia jurídica’ segundo a qual se espera da Justiça que resolva todos os 
problemas”. (CARRARA, 2010, p. 143)

  
Carrara alerta que o resultado indesejável dessa aposta é a possibilidade de estarmos trabalhando apenas para uma certa elite econômica, uma vez que o acesso à Justiça, no Brasil, é desigual em função da classe social das pessoas. Eu apenas complementaria o argumento lembrando também que parece que estamos apostando demais nas leis ou decretos que já temos ou poderemos ter no futuro. Se conseguirmos aprovar o projeto que criminaliza a homofobia, e espero que consigamos, a homofobia não irá acabar. 
É claro que essa lei será um instrumento valioso, mas ela, por si só, não acaba com a homofobia. 
De certa forma, estamos nos concentrando quase que exclusivamente naquilo que Gamson (2002)chamou de ataque às “opressões institucionais”. Em contrapartida, damos pouca atenção ao que ele nomeou de “opressões culturais”. É claro que a dicotomia usada pelo autor é também passível de críticas e considerações, mas creio que ela serve para pensar um pouco essas questões. Voltarei a elas mais adiante.

Outro “perigo” apontado por Carrara, e que o aproxima muito das reflexões de divers@s autor@s ligad@s à Teoria Queer, é que, segundo ele, 

“[...] vem se desenhando uma nova moralidade sexual, projetando novos sujeitos perigosos ou abjetos em oposição a cidadãos respeitáveis, ou seja, aqueles que merecem, por suas qualificações morais, ser integrados, assimilados à sociedade”. (CARRARA, 2010, p. 144) 

Um pouco mais adiante, Carrara diz ainda: “[...] há que se discutir, finalmente, os perigos da reificação das identidades sexuais e de gênero em jogo nesse contexto e de seu possível impacto sobre políticas e direitos que, por serem ‘especiais’, podem acabar sendo mais excludentes que inclusivos”. (CARRARA, 2010, p. 144)

Em relação a esse “perigo” apontado por Carrara, muit@s autor@s da Teoria Queer e os textos incluídos nessa coletânea podem colaborar muito com os movimentos LGBT. Em que sentido? Para pensar em estratégias e discursos que, paralelamente às políticas identitárias, subvertam e questionem de forma permanente as normas hegemônicas presentes em nossa sociedade. Para que nossas pautas não colaborem para construir normas do que é ser um gay, lésbica, bissexual ou trans aceitas apenas se estiverem seguindo os padrões já postos. Padrões esses, é sempre necessário lembrar, que foram e continuam sendo os causadores da falta de respeito à diversidade sexual. 

Precisamos ter clareza de que não podemos cair no erro de usar, com a melhor das intenções libertadoras, exatamente os mecanismos que nos oprimiram e que continuam nos oprimindo.Por exemplo: boa parte das pautas que mais nos mobilizaram nos últimos anos e em boa parte dos discursos de algum@s ativistas transparece a ideia de que o gay é normal, é igual ao heterossexual, quer casar, ter filhos, viver uma vida monogâmica. O que a Teoria Queer e algum@sautor@s desta coletânea vão questionar não é o direito de casar e ter filhos e desejar uma vida em família tal como nas propagandas de margarina. É óbvio que quem quiser viver assim deve ter todo o direito e condições de fazê-lo. A pergunta que @s autor@s fazem e que ecoa em alguns textos desta coletânea é: por que desejamos esse ideal de vida? Por que queremos uma vida a mais parecida possível com a dos heterossexuais? O quanto essa ideia geral tem a ver com uma eventual vergonha da Aids e de uma presumida promiscuidade da comunidade LGBT? Queremos nos purificar? De que e por quê? 

Pensando   sobre   essas   questões,  Richard Miskolci,   por exemplo, argumenta que a epidemia de HIV/Aids “[...] teve o efeito de repatologizar a homossexualidade” e gerou “[...] efeitos normalizadores no campo das homossexualidades”. 


Por que a união civil proposta por nós é exatamente a baseada na família nuclear, justamente uma das instituições que tanto  colaborou para a opressão da diversidade sexual e de gênero? 
Aliás, não parece interessante (ou sintomático) que tenham  surgido, nesses últimos anos, organizações no Brasil e no exterior, compostas majoritariamente por heterossexuais, que defendam uniões livres com mais de duas ou três pessoas?

Além disso, cabe aqui lembrar que, queiramos ou não, na própria comunidade LGBT, as conjugalidades são muito mais diversas do que vislumbra a proposta de união civil. Para verificar isso, basta ler a excelente coletânea de textos organizada pelas professoras Miriam Grossi e Anna Paula Uziel e pelo professor Luiz Mello. 

Um dos textos é de Antônio Paiva que, em sua tese de doutorado, entrevistou vários casais homossexuais e concluiu:Quanto à discussão sobre institucionalização das uniões homossexuais, vimos uma abordagem bastante diversificada: há casais que advogam o direito não só ao registro civil da parceria, mas o direito de casar; outros veem a importância do registro para garantir patrimonialmente o parceiro, outros que consideram ‘ridículas’ ou irrelevantes as tentativas de legitimação das uniões; há os que veem na luta pelos direitos do cidadão o foco da discussão, não sendo necessário lutar pelo reconhecimento das relações; e ainda os que consideram importante lutar por outros modelos de conjugalidade. (PAIVA, 2007, p. 43)

Enfim, as reflexões da Teoria Queer permitem perguntar o quanto parte das nossas pautas não são influenciadas pela heteronormatividade, tida por Nádia Pino (2007, p. 160) como o 

“[...] enquadramento de todas as relações – mesmo as supostamente inaceitáveis entre pessoas do mesmo sexo – em um binarismo de gênero que organiza suas práticas, atos e desejos a partir do modelo 
do casal heterossexual reprodutivo”.

Críticos da Teoria Queer, que também integram essa coletânea,  às vezes dizem que heteronormatividade   é o mesmo que heterossexismo, conceito usado há mais tempo no Brasil. No entanto, os dois conceitos não são iguais, pois heterossexismo pressupõe que os heterossexuais pretendem, a qualquer custo, 
impor a sua orientação como a natural e correta. A ideia de heteronormatividade, que não deseja substituir o conceito de homofobia, vai muito além disso, pois aqui o objetivo é revelar também como a heterossexualidade compulsória, muito mais forte no período da patologização das orientações sexuais nãoheterossexuais, se alastrou com tamanha força que acabou por se introduzir na constituição das identidades de todos nós, sejamos héteros ou não.

Pergunto: a resistência de algum@s para entender e assimilar essas reflexões não passa pelo temor de reconhecer a própria heteronormatividade, manifestada das mais diferentes formas, explícitas e “difíceis de ler”, tal como o racismo?

No bojo dessas discussões, Butler consegue fazer uma rica análise que revela qual é o motor da heteronormatividade, que gera a homofobia e, portanto, a falta de respeito à diversidade sexual e de gênero. É nesse momento que Butler trata sobre como a sociedade exige uma linha coerente entre sexo-gênero-desejo e prática sexual. Nessa linha, o binarismo das identidades sexuais e de gênero impera e é esse binarismo, entre outras questões, que precisa ser atacado e problematizado. 
E aí cabem outras perguntas: o quanto nossa luta problematiza os binarismos? Se a heteronormatividade e o binarismo sexual e de gênero são a causa de nossas opressões, como podemos apostar tanto em estratégias que acabam, de alguma forma, reificando essas questões ao invés de problematizá-las? Para conquistar determinados direitos, temos que criar uma determinada imagem para que a comunidade LGBT seja aceita? 
E o quanto essa operação exclui quem deseja permanecer nas margens, quem não deseja esses ideais ou quem não terá condições econômicas, políticas e sociais de aspirar a esses ideais?


Outra questão apontada por autor@s ligados à Teoria Queer, sobre os limites das políticas identitárias, é como elas deixam a heterossexualidade em uma “zona de conforto”. Isso se traduz de várias formas, inclusive em boa parte das políticas preventivas das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), mas, sobretudo, nas estratégias e políticas de combate à homofobia. O que quero dizer com isso?Para combater a homofobia, apostamos quase exclusivamente na afirmação das identidades não-heterossexuais, o que gera 
impactos significativos para a comunidade LGBT, mas deixa a identidade heterossexual no confortável discurso de que ela sim é natural, normal, determinada pela biologia ou até por Deus. 

Para uma perspectiva queer, enquanto a heterossexualidade não for problematizada como uma imposição, como uma construção, a homofobia e a falta de respeito à diversidade sexual e de gênero 
não vão acabar.Portanto, nossas políticas e estratégias não podem apenas afirmar identidades homossexuais, mas também problematizar constantemente as identidades heterossexuais. Isso, é claro, só 
torna a luta muito mais complexa e difícil, mas não impossível. 

Por exemplo: no campo da educação, ao invés dos livros didáticos ensinarem o que é uma família homoparental, como alguém se constitui em homossexual, também deve ser importante problematizar como se construiu esse ideal de família nuclear, se ela ainda existe na “vida real” e com que intensidade. Ao invés do excessivo interesse em responder o que torna alguém homos -sexual, perguntar também e com a mesma intensidade o que torna alguém heterossexual.

Essas discussões não são novas entre os estudos e a militância brasileira. Segundo MacRae, por exemplo, já na época por ele analisada, o movimento homossexual era “[...] freqüentemente acusado de contribuir para um rígido reforço das categorias sexuais”, inclusive por pesquisadores como Jean-Claude Bernardet 
e Peter Fry. E continua: Alega-se que essas posturas acabavam por revalidar o uso do rótulo ‘homossexual’, concebido por alguns como sendo uma patente forma de controle social, seja ele imposto a um indivíduo por forças sociais externas ou voluntariamente adotado. A prática de ‘se assumir’, encorajada pelos grupos, correria o risco de não ser nada revolucionária, transformando-se, talvez, somente numa acomodação de comportamentos e sentimentos, até então em desarmonia com as normas gerais, integrando-se de uma maneira mais funcional à estrutura vigente. Estabelecer-se-iam novos padrões e 
simplesmente se mudaria o lugar da linha de demarcação entre o permitido e o proibido. (MACRAE, 1990, p. 56)

Além disso, MacRae (1990, p. 54) diz que, [...] atualmente, a aparência viril é cada vez mais prezada, e começa a surgir um novo homossexual estereotipado que frequentemente ressalta sua aparência  máscula, exibindo bigode, barba, músculos de halterofilista, etc.. Ora, o que podemos inferir a partir dessa observação do autor é que, então, hoje, mais de 20 anos depois, efetivamente é esse o  modelo de gay que é mais aceito em nossa sociedade e também por boa parte da comunidade LGBT.

A  pesquisa   realizada  no  CUS ,   sobr  e   a   representação  dos personagens não-heterossexuais nas telenovelas da Rede Globo, embora ainda esteja em andamento, já pode concluir que existem 
três grandes formas de representação na história dessas obras: a primeira delas ligou a homossexualidade com a criminalidade; a outra associou @s personagens LGBT com os estereótipos da “bicha louca”, em geral produtora de risos perversos nos telespectadores; e a terceira, que começa a aparecer com mais intensidade nos últimos dez anos e se torna hegemônica, é a que inscreve @s personagens dentro de uma matriz heteronormativa. Consideramos as três  formas de representação problemáticas.

No entanto, não é raro ver integrantes da comunidade LGBT apenas elogiando personagens enquadra do  s   dentro dessa terceira forma de representação. Para intervir nesse campo das representações, por exemplo, as políticas públicas e identitárias brasileiras são incipientes, mas não podemos desconsiderar, 
como alerta Woodward, (2007, p. 17), que é “[...] por meio dos significados das representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos”. 

Nesse sentido, cabe a distinção feita por Gamson entre estratégias que atacam mais as “[...] opressões institucionais, que fazem da rigidez das categorias uma estratégia inteligente”, das que atacam as “[...] opressões culturais, que fazem da dissolução das categorias uma estratégia inteligente”. E ele pergunta: “[...] existem movimentos ou repertórios de movimentos que sejam capazes de trabalhar com, em lugar de contra, a simultaneidade destes dois sistemas de opressão?” (GAMSON, 2002, p. 166)

MacRae, no texto que integra essa coletânea, nos possibilita apresentar outro dado que pode ser utilizado para verificarmos o quão a heteronormatividade paira inclusive sobre os homossexuais.No artigo As   respeitsas  militantes   e  as  bichas   loucas, ele analisa como um determinado jornal, na época produzido por homossexuais e ligado ao hoje Partido dos Trabalhadores, teria decidido não publicar um texto vindo do Grupo Gay da Bahia. O texto tratava do 1° Encontro de Homossexuais Organizados do Nordeste e transcrevia as palavras de ordem proferidas durante um a  p quena  passeata  o corrida  nesse   evento.  “ Esta seram frequentemente escandalosas ou aparentemente levianas, como se pode ver pelos seguintes exemplos. ‘Éte, éte, éte, é gostoso ser gilete.’, ‘Ado, ado, ado, ser viado não é pecado.’ ‘U, u, u, é gostoso dar o cu.’” (MACRAE, 1982, p. 101-102) Mais uma pergunta: em nossas paradas LGBT, quantas vezes ouvimos alguma frase desse tipo?


No último parágrafo desse texto, MacRae (1982, p. 111) diz: Sempre haverá aqueles que lembrarão que a luta é seria, que travestis são regularmente torturados e mortos e que muitos homossexuais são 
desrespeitados em sua dignidade humana. Eles têm razão e a luta por melhores condições de existência sempre é valida. Porém, é bom que fique sempre lembrado que seus novos valores também são arbitrários e não são de nenhuma forma ‘naturais’. Aliás, como dizia, se não me engano, Oscar Wilde: ‘A naturalidade é uma pose tão difícil de se manter’.Pois bem, essas foram algumas das questões centrais que rondaram as discussões do Stonewall 40 + o que no Brasil? e que atravessam os textos desta coletânea. Optei por abrir o livro com o artigo de MacRae, exatamente para dar a dimensão histórica dessas discussões. Em seguida, Richard Miskolci defende a ideia de que o essencialismo estratégico está em declínio e rebate a conferência do pesquisador português Miguel Vale de Almeida, proferida no encerramento do Fazendo Gênero de 2010. 

Nesse texto, o leitor também poderá compreender um pouco mais como surgiu a Teoria Queer e como ela impacta nos movimentos sociais. Em seguida, o professor Fernando Seffner dá continuidade às reflexões de Miskolci, ao apontar os limites das políticas públicas e identitárias adotadas pelo movimento LGBT nos últimos anos. Logo depois, Berenice Bento desconstrói a separação entre teoria e prática e analisa como @s transexuais colaboram para repensar o feminismo e as políticas para o respeito à diversidade sexual.Larissa Pelúcio, além de participar de uma mesa em nosso evento também realizou um bate-papo sobre suas pesquisas no Bar Âncora do Marujo, local onde transformistas baianas costumam se apresentar. Ela escreve sobre como é impossível categorizar as novas subjetividades das travestis. Trata-se de mais uma pesquisa que joga na nossa cara como é impossível pensarmos em identidades fixas e estáveis entre o conjunto das travestis. Imaginem, então, como falar em comunidade LGBT?  Ou em aglutinar tudo na categoria gay! 

Outros   textos  que   seguem nesse  mesmo sentido  são os de Osmundo Pinho (com o diferencial de analisar as práticas homossexuais em Salvador), de Júlio Simões (que analisa ambientes frequentados por gays e lésbicas em São Paulo) e de Wilton Garcia (que usa o filme Elvis e Madona como instrumento para pensar o trânsito entre as identidades na atualidade). Os textos de Osmundo e Suely Messeder foram incorporados em suas falas nas mesas redondas. Deco Ribeiro, tanto no texto como em sua fala, trata da importância da Escola LGBT para essa “nova onda” do movimento. Aliás, esperamos que esse livro sirva para produzir novas ondas. 

Boa leitura!
Por Leandro Colling 


O livro completo pode ser encontrado aqui: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/2260/3/Stonewall%2040_cult9_RI.pdf









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